terça-feira, 30 de março de 2010

Cut-up


fumando um Carlton Dunhill, enxotando Cinza de Medo que insistia em se enroscar, pareceu-lhe muito agradável como homem, muito gordo, uma figura esquisita, um catador de palavras, que faço neste lugar abandonado dos diabos?, distante da esguia figura burroughsiana que, na bolsa, sobre o topo das anotações, uma máquina de escrever meio quebrada, os dois, mandando numa única noite um metro de cocaína, sem problema, ainda sendo capaz de viver, coisa toda que está se desencadeando por aqui, porque prefiro Drácula à Frankestein, mas comer aquela lindeliciosa ao meu redor – incrível que eu, como na sua visão, falharia completamente em ser da fundação da Orquídea, capim, filho da terra, expelindo catarros, o Garoto Cut-Up, como era apelidado, esfregava os olhos, os filetes de frases se montando, se recriando, espremendo-se mente afora, enquanto ele decodificava em capítulos de Sabrina, Huxley, Cortazar e páginas do Caderno de Esportes, arrancando significativos laivos do futuro que a ponta da caneta é a ponta dum V, uma seta – puxar o gatilho, e deixar-se rebentar que é isso aí, e se enfia, contou também, indo de pó branco inté o fundo do nariz do velho, passar deixando o velhinho ligadão, lembrando da época como administrador, superar antinomias, mas é condenado porque ousou.
Depois, segundo pensa a senhorita Callamand, segue-se uma fase de desmineralização, as enguias se tornam amorfas (mas a linha se quebra no amor), se abandonam às correntes, o verão, compilador de letrinhas, isso é que era o guri, e desperta, e por causa disso o homem está aí cobiçoso, Nietzsche e Joyce, um ou outro olho apodrecido pela dúvida, enguias, dura fé, “e que porra de festa é essa?” “ah, festa de volta, fazer ela viva de novo, bichinha, a chance de fazer lá, amando aliens”, sendo difícil de compreender satisfatoriamente esse papo de encerrar o mundo.
eu também te amo
De olho no cut-up boy, um circuito diferente, rearranjando neurônios, a complexidade das Valquírias, quando longe de serem mercenárias, refazem a oportunidade de escrever sem freios, sem amigos, todos todos, tão felizes, oh oh, tão cá com o demônio e seus brinquedos, ainda escrevendo o que é seu, meu, à serviço do Grupo agora, tesoura presa entre os dedos, cortando páginas inteiras durante todo o dia: - Você não vai – é o que esperam, é o que me pedem.
Zacarias, no ônibus, enquanto viaja, olhos rancorosos, abraços oportunistas, refletindo os assuntos a serem tratados, uma mulher sem punhos, um distribuidor de rações agrícolas. Olhando sem muitos pudores para seus punhos, Zacarias pensou na velha teoria de um amigo que tentado a lhe dar uma mostra de como seria um aleijado, respirou algumas vezes, falou com o filho mais coração e se procurou bem, encontrando-o no útero.
Eles também não te selecionam no fim da viagem, destino único: Götterdämmerung, meu som depois de tocar, indo indo, de um lado a outro, após os insuportáveis insultos de seu mundidentificação, sobre a voz que solicitava entender, o som de uma sanfona, enfim: manhã de natal, as casas que sobraram, é difícil compreender satisfatoriamente, esse papo encheu o quarto para encerrar com o mundo a partir de algumas das suas atividades: masturbação, viciado, transformou o apartamento sem querer saber de maçã porra nenhuma, que essas merdas ninguém na cidade destacava-se pelo prazer ao ócio e pela ira sobre rostinhos ricos e bonitos a fim de se esgotar, que agora já não se quer mais um fumódromo, nem índios querendo ressuscitar troncos, nem maconheiros e esquisitos, mas sim gente que se embeleze para a posteridade.
No fim do mundo do fim do mundo um origami ganha vida e se esconde de alguma tênue forma, conhecendo e se aproximando, olho na rachadura perfeita dos dedos, olho silencioso, catalepeteando uma planta carnívora, brotando totalmente de quem está de fora, de volta, engolindo moscas, para que a trama não entre, não se enfie, absorva somente a mim, encarquilhando-me fantasticamente, completamente pensada, que eu vou me encarregar de justificar alguma ordem na loucura de disco arranhado lhe buscando e pombos.
A confusão era só para pestanejar.
A senhorita Callamand colhe os resultados, entrega à jovem Carolina que, livre dos seus remédios, lê o relatório de cut-up boy, o Garoto Cut-Up, como quem lê uma mão de cartas de tarô, mas antes sai sob o tempo ruim, enche os olhos de poeira, grita para as nuvens escuras e esfregando o nariz espirra um muco verde na barra da saia rosa, que ela esfrega na parede e

“E se ele não quiser ser aliviado destes sofreres?”
acorda na manhã seguinte, quando ela já havia se dado conta de que ambos são ficções sobre não se ter uma casa, não cortar as unhas e viver com cheiro de cachaça

depois, encharcada, volta ao escritório, onde se reporta à senhorita Callamand, anunciando que as coisas começam a desandar e que, talvez, seja a melhor hora para se visitar Macuco ou Pouso Alegre ou Santa Amena ou seja lá que diabos de nome tenha a porcaria da cidade onde Anhangaátoo Therion recruta homens para se transformarem em passarinhos e palavrinhas obscenas e criar o fim do mundo, enfiando-se através das páginas, palavras pelas paredes, fugindo, inventando a formação de um romance de benefícios: a frágil mulher, a feiinha, os empregadores, o que se pode fazer num quarto, tornando-se uma insinuante ciclotimização idiota de tramas que remetam a tudo, desde que não se abra o bico, que as histórias e personagens, como um agulhão, furem, mas não possuam nem costurem, deixando todas as tramas soltas, dispostas à imaginação, escrevendo como quem pinta uma parede de azulejos, pequenos quadrículos de cerâmica, preto e branco, a cada novo azulejo, um santo na parede, manipulando, disfarçando a realidade por toda a sala. Como um grande filtro. Amém.


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breve interlúdio (e prévia), escrita aos moldes da técnica narrativa criada pelo velho William Lee. Um presente para os leitores que ainda se arriscam nesse blog.
Recomenda-se o uso de LSD durante a leitura.

Um comentário:

  1. Porra, irmão. Aos pouquinhos eu vou vendo se aprendo a enfileirar letrinhas bem desse jeito, perder o ranço de jornalistinha.

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