sábado, 30 de janeiro de 2010

Entre-quadros: rompendo o espaço-tempo



As histórias em quadrinhos oferecem possibilidades maravilhosas para qualquer narrador. De um painel a outro, passam-se anos, diálogos permanecem, misturam-se, e isso sem precisar de brilhantes teóricos de edição, bastando um movimento do olho, uma página virada, e todas as limitações cedem.
Quadrinhos, pelo menos da forma como venho tentando conduzir esta história específica, oferecem muito mais do que tramas focadas em estruturas tradicionais de narrativa, podendo explodir para todos os lados.
Por isso, se em algum momento de suas leituras, começarem a ficar confusos, lembrem-se de que esta hq não se passa num momento específico. Os personagens passeiam pelo tempo e pelo espaço, para cima e para baixo, para frente e para trás, de acordo com o tom que vocês preferirem.
Por enquanto, não quero estragar surpresas, mas conforme as páginas forem surgindo, vamos bater uma bolinha sobre essa pequena maluquice que nos apoquenta e prende, que é a realidade.

Ah, e o Blog dos Quadrinhos citou o Pássaros Artificiais na sua lista do Dia dos Quadrinhos Nacionais.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

“Nada é verdadeiro, tudo é permitido”



A frase, atribuída à Hassan Ibn al Sabbah, o “Velho da Montanha”, é o principal lema dos praticantes da chamada Magia do Caos, que eu não tentarei explicar aqui, em miúdos, do que se trata. Afinal, a grande rede serve pra isso, linkar indivíduos, informações e fatos, que é, de certa forma, o modo como o caos age.
Mas cabe aqui, sobre a sexta página (tão cheia de referências, lembranças sutis, desejos amargos e amores), uma reflexãozinha sobre os objetos e elementos citados nesta história que, claro, tem no caos sua principal força motriz. Tenho cá minhas esquisitas idéias sobre o (des)funcionamento do universo, e de como, por meio de algumas intervenções, podemos, da nossa maneira, alterar os circuitos da Grande Máquina e obter os números certos na loteria dos deuses.
Claro que o Firewall dos deuses é um tanto mais complexo de se lidar e furar, assim, nós pobres hackers, temos é que nos virar como podemos. Uma solução adequada é viver, pura e simplesmente. Mas me parece muito sem graça, fazer as coisas assim, sem catar os desafios pela gola.
Por isso escrevo. É meu vírus pra humanidade. “A linguagem é um vírus”, já dizia o mestre Burroughs. Com o que eu escrevo, não faço nada mais do que manter em ritmo vivo cada uma das minhas obsessões, livrando-me de algumas, ficando preso a outras, buscando soluções de problemas que não estou bem certo quais são. Amores mal sucedidos, mágoas, sentimentos atrofiados que começam a se mexer, estourando para todos os lados... tá tudo aí, nessa caixinha de brinquedos que ainda estamos aprendendo a lidar.
Ah, sentimentos que pedem vazão. Se não mudam, ajudam a mudar o ao redor. De uma forma ou de outra.

E pra quem não conhece, cá vai o grande Patativa do Assaré recitando su´A Morte de Nanã.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Gibis que dão nó

Me vi pensando como seria se a narrativa dos quadrinhos parasse de copiar o cinema e a TV e buscasse alguns recursos da ópera, por exemplo. Que tal quadrinhos densos, carregados de referências, herméticos, que parecem mais poesia do que prosa? Que tal quadrinhos carregados de significados e possibilidades múltiplas, prismáticas? Quadrinhos compostos como música? Em um mercado dominado por séries 'lado esquerdo do cérebro' [que geram reações racionais], achei que seria revigorante oferecer uma alternativa 'lado direito' [reações emotivas].”

Grant Morrison em entrevista ao site Newsrama

Aprendi a ler com quadrinhos de super-heróis, mas foram os autores mais “porra-loucas”, como Grant Morrison, Alan Grant, Alan Moore, James Delano e Peter Milligan que fizeram minha cabeça pra valer. Gente que escrevia quadrinhos com o mesmo fôlego e tesão de Thomas Pynchon, James Joyce ou até Will Self, que não tinham pudores em te catar pela cabeça, “querido leitor”, e te sacudir até ficar tonto, só pra no final, PA!, te chacoalharem os miolos todinhos com uma pancada contra a parede.

Esses me fizeram o tipo esquisito que sou.

Claro, nem de longe me arrogo ser um autor à altura de qualquer um dos grandões citados no parágrafo anterior, mas bem posso ser presunçoso de querer criar minha própria maneira de conduzir as coisas, não? É isso que Pássaros Artificiais é, seguindo bem próximo desta fala capturada do Morrison durante a entrevista que ele deu quando o último (e complexo) número de Crise Final chegou às lojas de quadrinhos americanas.

Quadrinhos pra engambelar a realidade, ao mesmo tempo que lida com tudo que nos inferniza e deleita por aqui. Escapismo pra que?, se podemos encontrar jogos e caminhos incríveis entre as linhas de uma página, as tonalidades de um quadro e os movimentos simples de um bom ator num palco mal iluminado?

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Em tempo: o livro que Cristina aparece segurando é Quando Teresa brigou com Deus, de Alejandro Jodorowsky. O tema do livro, um tratado de redenção familiar, conduz boa parte da minha história, que também se fia na confiança de que os leitores são bem capazes de entender as elipses, os pontos de fuga e os segredos que todos, inclusive personagens de uma hq, podem trazer em suas vidas.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Pragas e feitiços

Ah!, uma das minhas páginas prediletas. Um desafogo que surge no primeiro quadro, recheado da mesma dor que invadia a página anterior, e que segue, sem solução, através dos personagens, confusos quanto às diversas nuances da trama na qual estão metidos, ao que buscam e, no encerramento, uma auto-ironia.
Quão presunçoso sou eu? Está aí, todas as respostas, boa parte dos feitiços e chaves.
O Massula, camaradaço, disse até que esta era uma página que dava o tom da loucura. Se tudo der certo, cada um dos envolvidos terá lá sua quota de satisfação, livre das dores, caprichos e fantasias.
E, se quiserem mais capricho em esquemas e cut-ups, sugiro que leiam Burroughs ou Cortazar. Eu só posso oferecer o caos, cá da minha maneira ordenada e caprichosa (de quem é tão dado a doidices).

domingo, 24 de janeiro de 2010

De escrever com dor


Essa terceira página foi, quando impressa e publicada n´A Voz da Serra, um motivo de apreensão para mim. O poema sexual, escrito por mim, que a acompanha é tão explicito que, infelizmente, quase todos que vieram comentar comigo sobre esta página, estava muito mais interessados em expressar seu descontentamento com palavras bestas e comuns como “meter” e “gozar”, do que falar sobre o conflito de sentimentos presente na barafunda de pensamentos da personagem, seu complexo bailar entre o amor e ódio. Se me perguntarem, direi que estou longe do mau gosto (ainda que tenha uma bela duma tendência ao escatológico e tudo quant´é nojeira), mas não creio que esse poema seja tão ruim ou de mau tom. Acho apenas que ele expõe algo muito comum a todos que se aventurem em algum duelo amoroso, e que por isso é preferível tachá-lo de ruim.

Méritos literários deixados de lado, o fato é que as reações a essa página foram tão adversas, que me fizeram mudar o cronograma original, retirando outras duas páginas em que os personagens transavam, se amavam e odiavam, e dando um novo final à história (puxando duas páginas de um outro modo de leitura). Creio até que foi vantajoso. Arranquei da história, com esse medo de ter a publicação “censurada”, duas páginas e coloquei outras duas que mudaram o tom da trama, me apresentaram um novo caminho, de redenção, não só para os personagens, mas para mim. E, gosto de pensar, que algumas pessoas que acompanharam o desenvolvimento desta minha maluquice, também se beneficiarão desta história.

Falando nisso, e para dar o tom que o título desse post pede, admito que, mais do que possa parecer, essa história se manifestou para diferentes pessoas com sentimentos bem parecidos. Quase todo mundo que leu se mostrou bem incomodado com o clima constante de desespero que parece se apossar dos personagens nesses momentos engaiolados de cada página (Pássaros Artificiais, sacaram?). De fato, como encerrei o post anterior, admito que muito do que escrevi até este momento, foi movido pela dor e por uma garganta que não cessava de engasgar e dar vazão a choros incontroláveis.

Acho que mudei. Ainda escrevo sobre dor, meus amigos. Cá do meu jeito confuso, vertiginoso, que tanto me agrada, mas não carrego mais tanto desse sentimento ofuscante e pesado. Em outro post, mais adiante, explicarei o processo mágico que adotei em relação a essa história, para que as páginas cessassem de me esfaquear e começassem a me oferecer flores. Por enquanto, digo apenas que David Lynch me ensinou uma lição preciosa no livro Em águas profundas, que ele lançou uns dois anos atrás. O diretor de Veludo Azul diz que a dor pouco é dos motivos que nos fazem seguir ou criar. A dor só faz doer. Escrever sobre a dor, não é necessariamente sentir dor, é buscar criar conforto, é oferecer iluminação pelo caminho mais difícil, porque, infelizmente, é o caminho pelo qual a maioria anda optando por seguir.

Nessa eu vou com Lynch e Alejandro Jodorowsky. Vamos criar para sanar, minha gente! Vamos criar para oferecer paz, mesmo que atravessando um mar de bosta.

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Por alguma botoquice do Blogger, hoje foi um sufoco pra colocar uma página no ar. Clique no link presente no texto para visualizar a terceira página em formato maior, e não na própria página, como nos posts anteriores.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A arte como fenômeno mágico



“A visualização por múltiplas telas aparentemente foi antecipada pela técnica de cortes (cut-up) de William Burroughs. Ele sugeria rearranjar palavras e imagens para escapar à análise racional, permitindo a evasão subliminar de laivos do futuro. Um iminente mundo de estranhezas vislumbrado de relance.”

Alan Moore, Watchmen 11

Digo sem muitos pudores que este gibi, assim, violento como é, foi responsável, senão por me salvar a vida, ao menos por colocá-la em perspectiva. Não só porque tem sido algo que me assombrou por bem mais que um ano, mas também, quando finalmente foi escarrado na direção de se tornar ato realizado, Pássaros Artificiais acabou se tornando, apesar de todos os meus receios, aquilo que ele era originalmente feito para ser.

Como toda história, esta aqui se propõe a expor tudo quanto é horror, vomitar sobre o tapete e cuspir na tela da tv, enquanto se alivia das dores, cria uma nova realidade e, com um tiquinho de esperança, procura jogar o público leitor nesta mesma viagem que; atenção, sempre!, não deve ser lida em linha reta. Talvez, se toparem o desafio, nem mesmo devam ser completamente entendidos.

O que sei é que, só agora, tempos depois de escrito, impresso e, finalmente, sendo levado a público de uma forma que me pareça adequada às suas ambições, Pássaros Artificiais se materializa para mim como um objeto real, que vai além do intrincado código de sinais que tracei, e se joga em alguma espécie de adequação narrativa que pode contar com um público interessado em julgar seus méritos e falhas artísticos.

Bah!, isto é de uma época em que só havia dor. Agora, creio que posso escrever com algum amor

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Semeando possibilidades

Escrita por mim e desenhada pelo brilhante Antonio Eder, a hq que passarei a postar por aqui com intervalos regulares de dois dias, Pássaros Artificiais é uma história criada na intenção de ser lida numa infinidade de ordens possíveis. Ou, pelo menos, uma boa meia dúzia de boas opções.

Embora seja um jornalista (desses que se formaram para exercer a digna profissão de datilógrafo), admito que emendar cá uma sinopse, ou um resumo da coisa toda não é lá muito fácil. Sobre a história, digo apenas que é uma trama de redenção, uma descoberta genealógica.

A investigação e descoberta de uma mitologia familiar é empreendida por Cristina, personagem protagonista desta história que, em meio a uma desgastante relação amorosa que caminha para o fim, é obrigada a voltar para a cidade natal por conta do falecimento do avô.

A história, criada para ser lida em ordens aleatórias, foi (e está sendo) publicada semanalmente no Light, suplemente de fim de semana do jornal A Voz da Serra, em que eu mantenho uma coluna, e no qual atuei como jornalista por quase um ano. No jornal, a história está sendo apresentada pela metade, por opção minha e de Antonio, já que pela fórmula desenvolvida, acreditamos que ela seria plenamente entendida dessa forma. Ou, pelo menos, eu acreditei e o Antonio, louco, entrou na onda.

Vejam bem, a estrutura preparada era de trinta e duas páginas que, publicadas em um gibi comum, grampeado, deveria ser lida de cabo a rabo, e depois, grampos soltos, lida em duas novas ordens pré-estabelecidas: 32-1, 30-3, 28-5... até 18-15, e 2-31, 4-29, até 16-17. A seguir, o leitor que topasse entrar na loucura, que tratasse de colecionar e inventar novas ordens, indo ao cúmulo de traduzir páginas que estivessem em esperanto (algo que não pudemos fazer para a versão de A Voz da Serra), verificar folhas contra a luz e descobrir novas páginas, apagar balões e criar novos diálogos, descobrir outras ligações... e o que mais suas mentes privilegiadas de leitores esquizofrênicos e loucos pudessem imaginar. Ficaria muito grato, alias, que ao fim desta hipotética leitura da versão impressa (que ainda virá), não sobrasse uma única linha do que escrevi, e que tudo mais fosse recriado.

Delírios...

Então, eis que aqui eu e Antonio colocamos no ar a versão publicada no jornal, e que já não é a mesma anteriormente estipulada, por razões que serão explicadas mais a frente, conforme as páginas vão pro ar.

Espero que gostem. Ou desgostem. Ou criem.