quarta-feira, 29 de junho de 2016

Cinema Novo e Tropicalia se reencontrando em quadrinhos

   Nessa altura do campeonato, você provavelmente já se deparou com o trailer de Pássaros Artificiais... E se ainda não viu, clique aí.


     Prontinho. Já viu? Reviu? Assistiu dando pausas, tentando pegar as coisas divertidas que o Cristiano Botelho enfiou no menos de um minuto de vídeo? (Repararam no Hieronymus Bosch na janela?)
      Então, você também deve ter notado o seguinte comentário do cineasta Délio Freire:
“Em um lugar onde vários mundos se conectam após a morte de um escritor apaixonado pela literatura, somos apresentados a uma ciranda de acontecimentos e referências. Um mundo repleto de melancolia e caos em uma HQ que é original e independente. Julio Cortázar encontrando Ariano Suassuna. Cinema Novo e Tropicália se reencontrando em quadrinhos”
      Se você chegou até aqui, então já sabe que somos bastante ambiciosos com o que tratamos aqui. Não apenas com a forma, mas também com o conteúdo. Esta não é uma história fácil, tampouco o é para leitores fáceis. Queremos provocar, tocar fogo, te adoentar.
    Novamente, se você chegou até aqui, também deve ter percebido que até trilha sonora nós montamos, não é? Pois bem, duas honrosas exceções estão (?) aí: Raul Seixas e Tom Zé. Um não foi tropicalista, o outro é o legítimo, se bem que praticamente expulso no auge do movimento.
      Talvez (é bem provável que seja isso mesmo), mais do que tudo o que você viu, leu ou escutou até agora, são esses caras as grandes forças motrizes dessa incerteza de acontecimentos que movimentam a constelação de histórias e tramas que dão nó em Pássaros Artificiais.
       Discutiremos isso melhor amanhã. Por hoje, fiquem com as duas versões da página que é apresentada no trailer. Boa leitura!


sábado, 25 de junho de 2016

A Máquina de Escrever

   Seguimos com nosso ritual sabático de apresentar um personagem potencialmente desconhecido do universo de Tocando anu para Cantagalo. O desta semana, assim como da anterior, é uma das pessoas que está por trás de quase tudo até agora:


   Surgido no roteiro da HQ não desenhada A Máquina de Escrever, Pedro Conselheiro é um escritor paranóico, que passa a ser assombrado por personagens de suas histórias, cujos trechos aparecem, em recordatórios, por toda a narrativa. A história é contada através do ponto de vista do investigador paranormal Daniel Garcia, que a todo momento se divide entre a incredulidade e o mergulho nos delírios de Pedro Conselheiro. Dentre as personagens, destacavam-se a secretária, que não aparece, mas se faz presente pelos cinzeiros repletos de guimbas de cigarro que deixa para trás, a musa juvenil que atormenta os sonhos molhados do escritor e o assistente do investigador, de nome Diego, que desaparece durante uma visita no hospital.
   Presente em Disgramento (ciranda de aço com rosa), Pedro Conselheiro é o principal colaborador de Antonio Izabel na criação da Orquídea, a organização artística por trás dos eventos do livro. Pedro é a consciência por trás de todas as tramas, ganhando uma personalidade definidora a partir dos desenhos de Antonio Eder. Sua participação em Pássaros Artificiais é muito marcante, assim como os traços de Antonio.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

A Metaficção

Onde é o lado de lá da realidade? Para onde convergem, de onde procedem os fios que tecem a trama de nossas vidas? E quem observa essa trama, fora do tempo e do espaço, entre as frestas e batidas do coração? A resposta está na Teoria da Flor de Lótus, e pelas ruas desta Macuco literária e alucinógena, desta Macuco alucinada e reflexiva, onde a realidade é desfolhada pelo sopro suave de um tempo não-linear, e as histórias que tomam forma apontam para O Que não tem forma, nem nunca terá.
Lucio Manfredi, escritor, roteirista e dramaturgo

"um lençol pendurado na parede com fios de diferentes cores se entrecruzando, vibrando-se plenipotencialmente – ele explicava a realidade quotidiana dessa forma, como um acadêmico experimentado versaria sobre física quântica e a teoria matemática do caos."
   A postagem de hoje é sobre metaficção, segunda parte do Manifesto Tocando anu para Cantagaloliteratura sobre literatura, onde, embora se saiba personagem, o autor ainda é uma figura externa, buscando na experiência narrativa mais do que a construção de um arco ficcional relevante, uma história de ecos que se traveste de completude nas migalhas do pão. E se essa opção do micro tomado pelo macro parece dotada de uma grandiloquência exacerbada, lembramos que as ambições desta empreitada não se propõem a ditar as regras, desenvolver uma linguística “definitiva” de uma geração de criadores, no que concerne à narrativa regionalista. A intenção é o picaresco, o agoniante, a recriação de uma realidade insubmissa às leis da ficção, entregando a criação de personagens a uma mutação constante;

    Como dito em postagem anterior, tudo se conecta pelos Fios de Zacarias, mas não apenas por ele.
Sei que Darío também tivera contato com o painel de Zacarias, apesar de não saber como isto o afetou. Teve gente, no passado, que viu aquilo como algo maligno. As conexões estariam dispostas em formato muito semelhante as ruas e bairro de Macuco. Um amigo, Pedro Neto, garantiu-me que chegou a identificar praças e viradores na multidão de oroboros vermelhos que pareciam infestar-se de maneira vívida pelo lençol pendurado na parede velha. Darío é um encantado pela multitude familiar e caoticamente orgânica que ele encontra nas cidades do interior, e Macuco em particular lhe traz nuances muito atrativas. Me parece que ele passa horas e horas trancado e debruçado sobre a máquina de escrever, aparentemente tentando descoerentizar as próprias histórias, implicando uma complexa rede de ações que não necessariamente se interligam, apenas existem por si próprias, alheias as vontades temporais a que se submetem certas narrativas. (...) Ele diz que o que está fazendo, o que está escrevendo, implica em converter o imaginário em algo real, esperando tocar as pessoas, recuperar suas vontades de integração e encadeamento de eventos. Algo que, ao mesmo tempo em diz buscar uma nova integração de pessoas em lugares, parece trabalhar muito melhor com a ideia romântica de se atravessar o fluxo do tempo, arregaçar as limitações naturais e botar pra foder na panela de caldo quântico do que já passou e passará.

        Visto que o presente trabalho é também uma cartografia sobre a composição e arregimentação de elementos e histórias diversas, que se entrelaçam a fatos cotidianos e observações sobre a memória recente do município de Macuco, é válido que se pare para pensar por um momento como a metaficção local pode ser utilizada pelo autor de Tocando anu para Cantagalo.
A metaficção inclui as questões da pós-modernidade conforme Jair Ferreira dos Santos, “(...) o romance deve se tornar uma imitação deliberada do romance, dos gêneros literários ou de qualquer outro texto apto a injetar-lhe sobrevida.” (SANTOS, 1995, p. 62) Para Jair, a pós-modernidade garante ainda uma metaficção, literatura sobre literatura, onde o burlesco tem um papel importante:


O burlesco, que é o exagero cômico, vai ser o tom dominante na metaficção. Uma estética jocosa, fantasista, não-modernista, do absurdo passará por ele. Gênero menor, modo temático e estilo narrativo, o burlesco, em ação na literatura inglesa desde o séc. XVII, surrupiado ao francês Scarron, é um dispositivo de paródia que faz rir pela incongruência entre o fundo e a forma (algo assim como transpor a Eneida com a linguagem virgiliana para o meio de uma família calabresa vivendo hoje no Brás). Para fazer rir, o burlesco convoca toda a baixaria: sexo, violência, drogas, loucura, perversão, escatologia – a parte maldita com a qual o pós-modernismo, sem ilusões ante a sociedade tecnológica, desanca o projeto Iluminista em sua crença na emancipação do homem pelo conhecimento e o progresso. Nessa mesma trilha, o burlesco é ainda a parte intertextual por onde os autores pós-modernos cruzam o fosso (bem modernista) entre arte culta e arte de massa: ficção científica, romance policial, conto de fadas, pornografia, western e quadrinhos são alegremente canibalizados pelos espíritos mais requintados. (IDEM, pp. 62-3)


   Vale dizer ainda que, embora se saiba personagem, o autor ainda é uma figura externa, que supostamente deveria prestar atenção a detalhes e controlar as ferramentas narrativas, tal qual nos instrui Foucault em seu ensaio O que é um autor?:


(…) A noção de autor constitui o momento forte da individualização na história das ideias, dos conhecimentos, das literaturas, na história da filosofia também, e na das ciências. Mesmo hoje, quando se faz a história de um conceito, de um género literário ou de um tipo de filosofia, creio que tais unidades continuam a ser consideradas como recortes relativamente fracos, secundários e sobrepostos em relação à unidade primeira, sólida e fundamental, que é a do autor e da obra. (FOUCAULT, 1992, p. 33)


    Se o texto aponta para o autor, se a sua relação é, em primeiro lugar, com o autor, então as personagens seriam um reflexo disso, não? Foucault (1992) antes de tudo nos lembra que a escrita, hoje, é liberta dos temas da expressão, só se referindo a si mesma, sem no entanto, se aprisionar em sua interioridade: “(...) identifica-se com a sua própria exterioridade manifesta. (…) é um jogo ordenado de signos que se deve menos ao seu conteúdo significativo do que à própria natureza do significante.” (IDEM, p. 35) O jornalista e acadêmico Antonio Olinto, ao falar sobre a obra de James Joyce, nos diz algo semelhante, alertando-nos para o fato de que


As palavras também morrem. Deixam de ser prenhes de sentido, tornam-se meros sons vazios, fofos, sem fixação no pensamento. Para Joyce, mesmo o instrumento de comunicação diárias estava tocado de decadência. Então quebrou os vidros que o envolviam, e através dos quais só via fiapos de movimentos vagos na paisagem, e criou um mundo à imagem e semelhança de sua angústia. (OLINTO, 2008, p. 61)


      “Tocando anu para cantar galo” ou apenas Cantagalo1, é expressão usada há muito para designar aqueles que encontram-se em situação de desespero, com o dinheiro curto ou simplesmente sentindo-se prejudicados de alguma forma. O anu é um pássaro preto, que, conforme se aprende na região, vive próximo a cercas e pastos onde carrapatos se proliferam. De certa forma é um pássaro de mau-agouro, seja pela sua cor, seja pela sua proximidade com os corvos, ainda que na região também seja comum a presença de anus brancos, mais atrativos esteticamente.
      Mas são os anus pretos e o mau-agouro que trazem com eles que dão o tom dessa farsa que se pretende analisar ao mesmo tempo em que é criada. Uma farsa como todas, que abre mão dos referentes, que anula o realismo e cujo autor está imerso em suas angústias.
     O romance Tocando anu para Cantagalo e as histórias que o formam abdicam em parte da realidade para a gestação de uma realidade nova, diferenciada do palpável, adotando das narrativas modernas, dos gêneros populares e das mídias que os difundem, suas principais características: serialização das tramas e construção de uma realidade calcada em um determinado número de elementos que produzam uma segurança metafórica, com a criação de uma mitologia particular, dando unidade às diversas tramas. Embora no texto pareça que há uma exclusão do “onde é que eu tô, para onde é que eu vou e de onde que eu sou?” como questões de vital importância, Jair Ferreira dos Santos nos lembra que:

A metaficção no entanto não é apenas uma fisiologia do escabroso e do bizarro nem os funerais de gêneros que se esgotaram. Contra-romance que imita o romance, ela quer ser uma nova epistemologia literária, um desmascaramento das convenções ficcionais mantidas intactas pelo próprio modernismo, e por aí, criando mundos verbais alternativos, ser um ataque à atualidade, onde, segundo Borges, é total “a contaminação da realidade pelo sonho”. (SANTOS, IDEM, p. 63)


      Ou seja, busca-se na experiência narrativa muito mais do que uma construção de um arco ficcional relevante. É uma história de ecos que se traveste de completude nas migalhas do pão (se é que podemos fazer uma alusão a Proust nesse ínterim). E se essa opção pelo micro tomado pelo macro parece dotada de uma grandiloqüência exagerada, lembramos que as ambições deste projeto não visam o desenvolvimento lingüístico “definitivo” desta geração no que concerne à narrativa regionalista. Longe de tal ousadia. A intenção é recriar a realidade com um certo ar picaresco.


Nessa mesma trilha, o burlesco é ainda a ponte intertextual por onde os autores pós-modernos cruzam o fosso (bem modernista) entre arte culta e arte de massa: ficção científica, romance policial, conto de fadas, pornografia, western e quadrinhos são alegremente canibalizados pelos espíritos requintados. (SANTOS, IBIDEM IDEM, p. 63)


         E como recriar uma realidade que não se submete mais às leis da ficção, quando as ferramentas narrativas várias que se apresentam na contemporaneidade, praticamente todas se servem e bebem exaustivamente de uma revolução generalizada, provocada pela literatura jovem dos beats? Pois, mesmo que efetuado há mais de cinqüenta anos, o movimento, hoje não tão jovem, ironicamente permanece longe de ser careta. Como se atrever à criação de um universo reflexivo e vivo da pulsante e infinitamente criativa (e ao mesmo tempo quadrada, retrograda) sociedade contemporânea?
John Bart diz que a literatura dos últimos cinqüenta anos passou por dois processos distintos e, inerentemente, iguais. Em 1967, no ensaio A Literatura do Esgotamento, declarou que a busca por uma ruptura do pensamento dentro das linhas tradicionais era uma rebeldia que se entregava à auto-devoração, metaficção por auto-conhecimento (o texto consciente de si mesmo). Curiosamente, enquanto Barth diferenciava o romance realista (sobre o mundo que é), o romance modernista (sobre o mundo que poderia ser) e o romance pós-moderno (sobre mundos que não podem ser, que se contradizem), Gabriel García Márquez despeja sobre o mundo o multitudinário Cem Anos de Solidão, que alimenta personagens de contos e novelas anteriores, além de municiar o autor com cenários que viriam a ser aproveitados futuramente em sua própria obra. Sobre isto, diz Mario Vargas Llosa:

Dificilmente poderia fazer, uma ficção posterior a Cem Anos de Solidão, o que esta novela faz com os contos e novelas precedentes: reduzi-los a condição de anúncios, de partes de uma totalidade. Cem Anos de Solidão é essa totalidade que absorve retroativamente os estágios anteriores da realidade crítica, acrescentando novo material e edificando uma realidade com um princípio e um fim no espaço-tempo: como poderia ser modificado ou repetido o mundo que esta ficção destrói depois de completar? Cem Anos de Solidão é uma novela total, na linha dessas criações absolutamente ambiciosas que competem com a realidade real de igual para igual, entregando uma imagem de vitalidade, vastidão e complexidade qualitativamente equivalentes. (LLOSA, Mario Vargas, 2007, p. XXV)2


Treze anos depois, Barth voltaria ao tema com o artigo A Literatura da plenitude, onde ele revela ter repensado a questão, observando que a literatura pós-moderna deve esvaziar-se da necessidade de figurar em alguma escola ou listagem, assim como não é necessariamente um desenvolvimento do projeto modernista, porém descartando o sentido da criação como algo sublime, deixando a visão romântica de lado em prol de uma literatura que não imita nem repudia seus genitores. Ele recusa a necessidade de uma literatura que se soerga a uma sobrevida baseada na quantidade de textos analíticos que acompanhem o leitor durante a jornada empreendida na leitura. “Ninguém precisa mais de outros Finnegans Wake acompanhados de suas equipes de professores dedicados a explicá-los” (BARTH apud SANTOS, 1995), disse Barth, que também elogiou o Cem Anos de Solidão de García Márquez como uma literatura deliciosa, “rica em proteínas” (IDEM).

Se os modernistas, erguendo a tocha dos românticos, nos ensinaram que a linearidade, racionalidade, consciência, causa e efeito, ilusionismo ingênuo, linguagem transparente, anedota inocente e convenções morais de classe média não são toda a história, então, segundo a perspectiva das últimas décadas do nosso século, poderíamos admitir que o contrário de todas essas coisas também não são toda a história. Disjunção, simultaneidade, irracionalidade, anti-ilusionismo, anti-reflexão, o-meio-como-mensagem, olimpianismo político, a idéia do artista como herói e um pluralismo moral que beira a entropia tampouco são toda a história.” (IDEM)


É uma maneira de se estabelecer conexão com uma realidade literária fictícia em andamento com base em narrativas contemporâneas.
         Seus próprios dramas, no entanto, geram a auto-sustentação e constante revigoração pela grande variedade de frentes midiaticas às quais as personagens são expostas. Assim como intentamos fazer aqui com os diversos caminhos narrativos de Tocando anu para Cantagalo.
       Então, se há alguma temeridade no que se refere à construção das personagens, antes há essas outras, mais imediatas, onde a linguagem e as propostas às quais o autor se entrega, devem ser trabalhadas e pensadas como objetos em mutação constante. Afinal, Tocando anu para Cantagalo é obra em progresso iniciada em 2002, treze anos, uma adolescência e um começo de vida adulta atrás, donde se conclui que o autor aqui entregue a esta cartografia muito viveu e, aos olhos dele, até penou, riu, amou e sobreviveu. Assim, suas influências, gostos e deliberações se modificaram o bastante para justificar as transformações as quais se submeteram também as personagens.

1 Cidade natal de Euclides da Cunha e do autor deste texto.
2 Difícilmente podría hacer uma ficción posterior con Cien años de soledad lo que esta novela hace com los cuentos y novelas precedentes: reducirlos a la condición de anúncios, de partes de uma totalidad. Cien años de soledad es esa totalidad que absorbe retroactivamente los estádios anteriores de realidad ficticia, y, añadiéndoles nuevos materiales, edifica una realidad con un principio y un fin en el espacio y en el tiempo: ¿cómo podría ser modificado o repetido el mundo que esta ficcíon destruye después de completar? Cien años de soledade es una novela total, en la línea de esas creaciones demencialmente ambiciosas que compitem con la realidad real de igual a igual, enfrentándose una imagen de una vitalidad, vastedad y complejidad cualitativamente equivalentes. (tradução minha) 
 
 

quarta-feira, 22 de junho de 2016

O livro dispositivo

    Você sabia que Pássaros Artificiais é um projeto transmídia? Que as histórias a serem contadas nessa HQ não se limitarão somente a suas páginas, refletindo-se em outras tramas, desde livros até web-séries? Que a mente maluca por trás disso tudo elaborou um manifesto só para falar sobre suas intenções com essas histórias ambientadas no interior do Rio de Janeiro, mais precisamente na cidade de Macuco?
     O primeiro ponto deste manifesto é o livro dispositivo: conceito adotado de Deleuze e Guattari, tratando a obra de arte literária como um objeto divisível em seções esquemáticas. Em outras palavras, temos aqui um dispositivo disforme, agenciando eventos e personagens que volta e meia retornam à atenção do leitor disposto a uma leitura que busque acompanhar o caráter totalizante e fragmentário deste projeto. A observação dessas ligações, no entanto, se compromete, haja vista que as diferentes histórias não se apresentam sob um único teto ou formato. Felizmente, isso lhes concede uma liberdade segmentar que não existiria caso todas as narrativas se apresentassem num só ponto.

Pássaros Artificiais é uma história mutante,
que será publicada de uma maneira aberta às vontades do leitor
     Talvez seja um bom momento para se lembrar que essa HQ é, por si só, uma reinvenção dela mesma. Nesse blog, você pode encontrar uma versão anterior dessa página. As narrativas aqui propostas, um grande romance subdividido em seções não esquemáticas, se valem de um dispositivo disforme, um agenciamento de eventos e personagens que volta e meia retornam à atenção do leitor disposto a acompanhar a totalidade dos acontecimentos ou de um pesquisador com determinação suficiente para se debruçar sobre todas as histórias, já publicadas ou não.
     Deleuze e Guattari nos dizem que o agenciamento das séries só pode ser feito se a grande série se dividir em subséries. Analisando a obra de Kafka, em Por Uma Literatura Menor, eles se detém sobre O Processo:


Esse funcionamento do agenciamento só pode ser explicado se forem levados em consideração, desmontando-o, os elementos que o compõem e a natureza de suas ligações. Os personagens do Processo aparecem em uma grande série que não cessa de proliferar: todo mundo com efeito, é funcionário ou auxiliar de justiça (e no Castelo todo mundo tem a ver com o castelo), não somente juízes, os advogados, os oficiais de justiça, os policiais, mesmo os acusados, mas também as mulheres, as jovens, o pintor Titorelli, o próprio K. Assim, a grande série se divide em subséries. (…) Ora, a primeira característica dessas séries proliferantes é que elas vão desbloquear uma situação que, em outro lugar, as fechava em um beco sem saída. (DELEUZE, GUATTARI, 1977, p. 28)


     No nosso caso específico, as personagens de Tocando anu para Cantagalo, são em sua maioria contadores de histórias. Jornalistas, escritores, cineastas e quadrinhistas dividem a cena com bêbados, maconheiros e loucos que só querem a oportunidade, também, de contarem suas histórias, seus pontos de vista diversos sobre os mesmos elementos.
     O poder de se observar ou ser observado nessas narrativas é reprimido pela ideia de que nem todas foram publicadas ou estão disponíveis num mesmo local de armazenamento, mas isso também lhes concede uma liberdade segmentar que não existiria caso todas as narrativas se apresentassem num só ponto. Afinal, Deleuze e Guattari nos dizem que “cada segmento é uma máquina, ou uma peça de máquina, mas a máquina não é desmontada sem que cada uma de suas peças contíguas não constitua máquina por sua vez, tomando cada vez mais lugar.” (IDEM, p. 84)
  A arquitetura da informação de nossas narrativas é baseada na proliferação das séries, desterritorializando os padrões de linguagem ao mesmo tempo em que territorializa as ações contidas nelas. Vale ainda dizer que esse movimento estético da desordem pré-determinada não é pura paúra do academicismo literário, tampouco autoindulgência criativa, mas sim um esforço de completude e compreensão (ainda que anárquica) da obra.

Já que a história do mundo é feita, de modo algum de um eterno retorno, mas do impulso de segmentos sempre novos e cada vez mais duros, será acelerada essa rapidez de segmentariedade, essa rapidez de produção segmentar, serão precipitadas as séries segmentarizadas, serão acrescentadas. Já que as máquinas coletivas e sociais operam uma desterritorialização maciça do homem, prosseguir-se-á ainda mais longe nesse caminho até uma desterritorialização molecular absoluta. A crítica é inteiramente inútil. É muito mais importante desposar o movimento virtual, que já é real sem ser atual (os conformistas, os burocratas não deixam de interromper o movimento nesse ou naquele ponto). Não se trata de modo algum de uma política do pior, muito menos de uma caricatura literária, menos ainda de ficção científica. (IBIDEM IDEM, p. 87)

     Assim, o que falamos aqui é de uma possibilidade narrativa onde o livro seja algo mais que o volume de papéis ou o amontoado de bytes presentes para um leitor digital. A correlação de histórias trazidas sob o título de Tocandoanu para Cantagalo fazem parte de uma rede, onde os objetos em análise não se encontram presos ou estanques, mas ainda assim, em constante interconexão.


sábado, 18 de junho de 2016

Os fios de Zacarias

    Pássaros Artificiais traz em suas páginas uma série de personagens que aparecem em diversas histórias de Tocando anu para Cantagalo, onde é comum que certos temas acabem por permear as diferentes tramas, assim como o comportamento das personagens.
     Nessa postagem, falamos de Zacarias. Embora sejam essencialmente o mesmo personagem que aparece em A Volta do Umbigo, Disgramento, Macuconha e A Bela Máscara ele difere de uma narrativa da outra quanto ao local de moradia, trabalho e, no caso da web-série Na terra dos pés juntos, até mesmo em relação à personalidade.
    Em Pássaros Artificiais ele aparece acompanhado de outros personagens recorrentes:

Tadito, Zacarias e Pedro Conselheiro

    Quase relatado como alguém obcecado por um painel de fios vermelhos onde o destino das personagens parece estar pré-estabelecido, sendo que em Disgramento o tal painel não aparece e nA Volta do Umbigo ele surja com um dos pés amputados, enquanto em Na terra dos pés juntos, Zacarias não passe de uma sombra sinistra que controla todos os eventos, que, embora nunca tenha sido mencionado nos episódios filmados, aparece em todos os roteiros.



sexta-feira, 17 de junho de 2016

Pássaros Artificiais está de volta!

História em Quadrinhos experimental ressurge e alça vôo

     Nascida entre 2009 e 2010, publicada semanalmente no suplemento sabático de um jornal da região serrana e neste blog, a HQ Pássaros Artificiais provocou estranheza entre leitores, que acabaram não entendendo muito da trama, cujo final ficaram sem ver até agora. Isto porque os autores, Diego Aguiar Vieira e Antonio Eder, retomaram a produção do quadrinho e agora vão lançar uma versão totalmente nova e enlouquecida da história.
     Originalmente pensada como uma história de trinta e duas páginas, agora a leitura de Pássaros Artificiais estará totalmente entregue às vontades do leitor. Planejada como um caderno donde se soltariam os grampos e a história funciona independente da ordem em que se coloque as folhas, o quadrinho poderia ser lido além do convencional seguir da página primeira até a última. Totalmente redesenhada, a história sairá em um formato especial, com textos inéditos e exclusivos para a primeira edição.

Primeira versão da arte de Antonio Eder para a HQ,
numa página não publicada anteriormente

Nova versão da mesma página

     A história ainda é a mesma: a estranha mistura de elementos que parecem fazer com que uma mulher, desestabilizada pelas falidas figuras masculinas ao seu redor, busque alguma espécie de redenção, que talvez nunca encontre. Isso tudo enquanto se discute a morte, a vida, arte, possessões e compromissos, como uma metralhadora emocional que, se você ainda for daqueles que pensam que quadrinhos é coisa de criança, no mínimo vai pensar que também pode ser uma parada muito louca.
     Para Alex Mandarino, autor do romance O Caminho do LoucoGuerras do Tarot vol. 01, da AVEC Editora, Pássaros Artificiais é “uma sucessão de microcosmos poéticos de tirar o fôlego, uma saga espaço-temporal contida em uma narrativa de núcleo familiar. A obra oferece várias releituras de cada página isolada: tal é o alcance filosófico e lírico do texto. Você termina com a sensação de que não sabe muito bem o que o atingiu, desejando investigar como isso aconteceu”.

Quebranto literário universal

     A história será publicada em breve, de forma independente, sob o selo Macuco Beleza Produtora Independente, formalizando a criação de um universo ficcional que começou a ser moldado anos antes daquela primeira versão de Pássaros Artificiais aparecer por aqui. De lá para cá, o universo narrativo onde se passa a história cresceu e muito.
     Albergadas sob o nome de Tocando anu para Cantagalo, as histórias, todas ambientadas em Macuco, se interligam ao mesmo tempo em que não se encaixam, seguindo mais ou menos à risca os mandamentos de um manifesto de um homem só. Para saber mais sobre as histórias que fazem parte deste universo, comecem a viajar por aqui, siga nossa página no facebook e descubra o restante das nossas histórias em:

Os Arames da Cerca: uma colcha de retalhos de narrativa, onde todas as histórias se cruzam, esticando os fios gerais da trama.
Macuconha: as estranhas aventuras de um bando de malucos, movido a muito... bem, o título entrega o combustível dessa galera. Em breve, num livro perto de vocês.
A Bela Máscara: a história de um escritor apaixonado por uma mulher inalcançável e alheia ao mundo.
Na Terra dos Pés Juntos: uma web-série onde a morte não é o que parece e está aberta a negociações.
Disgramento (ciranda de aço com rosa): um romance totalmente gratuito e gratuitamente escrachado, aconselhável para quem não tem problemas em se perder em si mesmo.
Pássaros Artificiais & outros contos: um ebook de contos, desenvolvendo temas presentes em toda a narrativa.
Contos de Tompinhão Coelho: uma seleção de contos ambientados em Macuco.

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